As primeiras foram de milho. Morando numa fazenda, isso era natural. Tínhamos cento e vinte alqueires de bonecas de milho: ruivas, loiras e morenas. Era só escolher e brincar. Mas se a quantidade era grande, o tempo não. A época das bonecas de milho durava poucos dias, depois ficávamos o resto do ano sem estes brinquedos. Então era preciso buscar outros meios de nos divertirmos.
Um dia, a Tia Lourdes, que morava na cidade, foi nos visitar. Vendo nossa falta de brinquedos, decidiu nos dar um presente. Pegou uma calça jeans, cortou, costurou, encheu com tecidos, fez cabelos com tiras, desenhou o rosto e pronto: ela nos deu uma boneca de pano. Era grande, com mais ou menos quarenta centímetros. Ficamos felizes. Mas havia quatro meninas para uma boneca. Como sempre, eu fui a última a brincar. Que alegria, finalmente uma boneca com a qual eu podia conversar sobre as notícias do Jornal Nacional.
Tempo vai, tempo vem... uma noite, estávamos as quatro irmãs prontas para dormir. Nossa casa era grande, mas só havia três quartos. Num dormia meu irmão, no outro, meus pais e no terceiro, eu e mais três irmãs. A convivência não era fácil. A Dulcinéia queria que a luz ficasse acesa e a Ducimara queria que apagasse. Então começou a briga. Eu e a Deise não nos atrevemos a entrar naquele duelo de Titãs. Não havia interruptor, só dois fios com as pontas desencapadas e emendadas para acender a lâmpada. A Ducimara, querendo escuro, jogou a nossa única boneca nos fios e apagou a luz. Então, com passos pesados no assoalho e muita raiva, a Dulcinéia levantou-se, foi até o brinquedo e... creeeccc. Só ouvimos o barulho das pernas da boneca sendo rasgadas. Depois ela acendeu a luz e ninguém mais se atreveu a apaga-la. Perdi a boneca, o sono... e o sonho.
Voltamos às bonecas de milho uma vez por ano. Mas algo extraordinário aconteceu em dezembro de 1979. Eu e a Deise fomos com nossos pais à Maringá, numa grande loja chamada Depósito Tiradentes, onde havia até um parquinho na porta, no qual ralei as minhas pernas. Meus pais ficaram muito tempo lá dentro, eu não sabia o que estavam comprando, até que me chamaram e me mostraram a coisa mais linda que meus olhos viram até aquele dia: uma linda boneca, gorducha e loira dentro de uma caixa. Ela se chamava Dorinha e do caixa em diante seria minha, só minha, porque minhas irmãs também ganhariam outras bonecas.
Fui para casa extasiada. Passeei, brinquei e ainda ganhei uma boneca. Era muita emoção para um dia só. Em casa, tirei o brinquedo da caixa e o abracei como se abraça alguém que esperamos a vida inteira. E como brincamos, e como fomos felizes. Eu conversava com ela sobre minhas teorias sobre o mundo, o comportamento alheio, minhas tristezas e alegrias. Também cuidava dela, penteava seus cabelos, a cobria para dormir, dava banho. Dorinha foi minha única boneca por muitos anos. Depois vieram outras e, com o tempo, fui deixando a época das bonecas. Até que elas se perderam no esquecimento. 
Eu não sabia por que nós, meninas, tínhamos tanta ânsia por aquelas miniaturas de gente. Por que precisávamos tanto de bonecas, enquanto nosso irmão se contentava com estilingue, bolas e carrinhos? Por que bonecas? Naquele tempo eu não sabia. Agora, que sou mãe, eu sei.

0 comentários:

Postar um comentário

Postagens populares

 
Top