Introdução
Esperamos que essas informações nos levem
a refletir sobre toda a contribuição das mulheres na formação sociedade.
Mulher dos tempos biblicos
Não é fácil determinar a condição da
mulher nos tempos bíblicos: é que muitas informações nos são transmitidas por
textos rabínicos posteriores. As mulheres de Israel possuíam um status muito
mais favorável do que o desfrutado pelas mulheres das culturas circunvizinhas.
É, portanto perigoso – neste como em outros domínios – extrapolar as
informações que temos.
Nos tempos antigos, as filhas não eram
prezadas como os filhos varões. Alguns pais realmente as consideravam como um
fardo. Por exemplo, um pai escreveu: “O pai vela pela filha, quando nenhum
homem sabe; e o cuidado dela tira o sono: quando ela e jovem, para que não
deixe passar a flor da idade [não deixe de casar-se]; e sendo casada, para que
não seja odiada; em sua virgindade, para que não seja violada e se engravide na
casa do pai; ou tendo marido, para que ela não se comporte mal; e quando
casada, para que não seja estéril” (Eclesiastico 42:9-10). Contudo, os hebreus
tratavam as filhas com mais humanidade do que algumas das culturas vizinhas.
Era permitido vender a filha, desde que
não fosse a um estrangeiro, ou para prostituição (Êxodo 21:7; Levítico 19:29).
A filha, entre 12 anos e 12 e meio, é uma adolescente que o pai tem o dever
absoluto de entregar a um noivo, pois após essa data ela se torna plenamente
maior e pode, portanto livremente aceitar ou não os projetos do pai. Durante
esse período da adolescência, é o pai que decide e, pelo direito, pode fazê-lo
contra o parecer da filha. Contudo, aconselha-se fortemente a ele que procure
ouvir a opinião dela e não contrarie sua vontade expressa. Se o pai lhe deu um
noivo ou um marido antes dos seus doze anos, ela pode dizer, no dia em que
atinge essa idade: “Considero-me como vendida em escravidão e, portanto me
liberto hoje”. E ela se torna efetivamente livre.
O tempo do noivado dura mais ou menos um
ano e, segundo as discussões dos rabinos, ele se apresenta claramente como o
tempo necessário para que a moça se torne fisiologicamente uma mulher e,
portanto uma possível mãe: insistem para que se espere as primeiras ou até as
quartas regras.
“Compra-se a mulher por dinheiro, contrato
e relações sexuais, constata um rabino. Compra-se um escravo pagão por
dinheiro, contrato e tomada de posse. Há então diferença entre a aquisição duma
mulher e a dum escravo? – Não!” Essa definição apresenta bem a condição
feminina: como o escravo, a mulher depende de seu senhor-marido e tem que
assumir todas as tarefas; não pode aproveitar-se nem dos rendimentos do seu
trabalho nem do que ela achar; só está sujeita aos mandamentos negativos ou
gerais da Lei e não aos que estão ligadas a um tempo preciso: senão, como
haveria de ocupar-se das crianças ou das tarefas do lar? Se não lhe é proibido
interessar-se pela Lei e pelas tradições, é muito desaconselhado, no entanto,
ensinar-lhe demais a respeito disso, pois “aquele que ensina a Torá à sua filha
ensina-lhe a prostituição”!
A época do Novo Testamento, as mulheres
judias já não participavam ativamente no culto do templo ou da sinagoga. Embora
houvesse uma área especial no templo conhecida como “Pátio das mulheres”, não
lhes era permitido entrar no pátio interior. Fontes extrabíblicas dizem-nos que
Não se permitia as mulheres ler ou falar
na sinagoga; mas podiam sentar-se e ouvir na seção especial a elas destinada.
Uma mulher ou um incircunciso podem mandar oferecer sacrifício, mas é-lhes
proibido entrar no coração do Templo: não podem acompanhar nem ajudar o
sacerdote.
O lugar da mulher é em casa, ocupando-se
dos filhos e da casa e fiando a lã, na Judéia, ou o linho, na Galiléia: os
textos prevêem a quantidade mínima que ela deve fiar ou tecer por semana,
quantidade esta que é reduzida se ela amamenta um filho de menos de dois anos.
Ela nada tem a fazer fora de casa e se for obrigada a sair, deve guardar o
anonimato mais completo, por isso se usa o véu. Se ela conversa com alguém, por
exemplo, para pedir uma informação, deve-se responder-lhe o mais brevemente
possível; fora disso, não se lhe deve dirigir a palavra, nem sequer para
cumprimentá-la.
Diante dum tribunal, ela jamais é admitida
como testemunha e menos ainda como juíza. Na sinagoga ela tem seu lugar; no
entanto, pode haver lá uma infinidade de mulheres, se não houver dez homens
adultos, é impossível celebrar o ofício.
Ela deve ainda aceitar que seu marido
divida sua afeição entre ela e outras mulheres, quer sejam esposas como ela,
quer sejam concubinas, ou até mesmo escravas. Notemos, no entanto que a
poligamia é muito rara e isso em primeiro lugar por razões econômicas.
Era contrario a Lei que uma mulher não
casada tivesse relações sexuais (Deuteronômio 22:20-21). O sexo, porém, era
parte muito importante da vida matrimonial. Os judeus levavam isto tão a serio
que o homem recém-casado estava livre de seus deveres militares ou de negócios
durante um ano inteiro, de sorte que ele promovesse “felicidade a mulher que
tomou” (Deuteronômio 24:5). O alvo primário da esposa era dar filhos ao marido.
A família judia esperava que a esposa se tornasse como uma videira frutífera,
enchendo a casa de filhos (Salmo 128:3). Assim, a mãe saudava o primeiro filho
com muita felicidade e alivio. O filho é absolutamente essencial para o judeu:
é ele a garantia de que o povo eleito continuará a existir, o sinal da
perenidade da Aliança e, portanto a prova da bênção divina: não ter filho é uma
verdadeira maldição (pela qual unicamente a mulher é responsável!).
Mas a mulher é também filha de Israel, o
que lhe confere direitos. Tem direito a um mínimo vital: seu marido é obrigado
a lhe dar o necessário em alimento, vestes e dinheiro para uso próprio, sem o
que ela pode se queixar perante um tribunal que, após inquérito, obrigará
eventualmente o marido a se divorciar: Ela também tem direito à dignidade: se
ela cai na escravidão, o marido deve fazer tudo para resgatá-la; se ela está
doente, ele deve conseguir-lhe os medicamentos necessários; enfim, ele não pode
lhe impor votos contrários à sua dignidade nem obrigá-la à prostituição.
Finalmente, ela não pode ser repudiada de qualquer maneira: o contrato de
matrimônio é ao mesmo tempo um freio para os desatinos do marido e uma garantia
para a mulher.
É necessária a viuvez ou o divórcio para
que a mulher encontre enfim sua autonomia e goze da liberdade e da
possibilidade de administrar seus negócios. Mas ainda é preciso que suas rendas
lhe permitam viver! Se não, ela pode escolher entre o segundo casamento e a
miséria… A não ser que, abandonando o véu, ela se entregue á prostituição.
Esta situação global explica bem a pequena
importância das mulheres e ao mesmo tempo a insistência sobre as viúvas que se
pode encontrar no Novo Testamento.
Outras leis hebraicas ofereciam proteção
às mulheres. Se o homem tomasse uma segunda esposa, ele ainda era obrigado,
pela lei, a alimentar e vestir a primeira esposa, e continuar a ter relações
sexuais com ela (Êxodo 21:10). Mesmo a mulher estrangeira, tomada como noiva,
na guerra, tinha alguns direitos; se o marido se cansasse dela, devia dar-lhe
liberdade (Deuteronômio 21:14).
O marido pode repudiar a mulher. Discutia-se
muito, na época rabínica, sobre o motivo alegado em Dt 24,1: “se ele encontrou
nela algo de inconveniente”. A escola de Shamai não admitia como motivo senão a
má conduta ou o adultério da mulher, mas a de Hilel admitia razões mais fúteis:
bastava que a mulher tivesse preparado mal uma refeição ou mesmo que ela
tivesse cessado de agradar ao marido. As mulheres, ao contrário, não podem
pedir o divórcio: a hipótese de Mc 10,12 (que não consta em Mt-Lc) é sem dúvida
influenciada pelos costumes pagãos.

