LEONARDO BOFF*:
Manter viva a causa do PT: para além do Mensalão
De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me
pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na
sua formulação e na sua realização nos meios populares.
Há um
provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco, mas pensa no
animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao
processo do “mensalão”. Você bate nos acusados, mas tem a intenção de
bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando
à questão mostra que o grande interesse não se concentra na condenação
dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.
. Reconheço com dor
que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela
mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos
sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que
seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance
de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder
reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e
democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem
cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT
representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre
mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais
consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos.
Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças
sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.
Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas.
A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente
temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como
soía repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender
privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se
reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório
Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14), elas “negaram seus
direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram,
pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na
periferia, no lugar que continuam achando que lhe pertence”. Ora, o PT e
Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder.
Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas
jamais como presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula
presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites
perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando,
especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por
sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma
entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos se propõem apear o
PT do poder e liquidar com seus líderes.
A segunda razão está
em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao
novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo.
Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como
servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus
aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um
presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para
o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio
civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor
do que eles para continuarem a ter vantagens.
Por fim, temos
esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas
republicanas inauguradas pelo PT e que devem ser ainda aprofundadas,
pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação
do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada.
Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não se deixam mais iludir
pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo
caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir
autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de
brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e
assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia
mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode
ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados
porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.
*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e dr.h.causa em política
pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.
** Título original : "Para além do Mensalão"
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